segunda-feira, 8 de junho de 2015

CREPÚSCULO DE OUTONO



O crepúsculo cai, manso como uma benção. 
Dir-se-á que o rio chora a prisão de seu leito… 
As grandes mãos da sombra evangélicas pensam 
As feridas que a vida abriu em cada peito.

O outono amarelece e despoja os lariços. 
Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar 
O terror augural de encantos e feitiços. 
As flores morrem. Toda a relva entra a murchar.

Os pinheiros porém viçam, e serão breve 
Todo o verde que a vista espairecendo vejas, 
Mais negros sobre a alvura unânime da neve, 
Altos e espirituais como flechas de igrejas.

Um sino plange. A sua voz ritma o murmúrio 
Do rio, e isso parece a voz da solidão. 
E essa voz enche o vale…o horizonte purpúreo… 
Consoladora como um divino perdão.

O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha 
Reponta. Apenas há, nos barrancos retortos, 
Flocos, que a luz do poente extática semelha 
A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos.

A sombra casa os sons numa grave harmonia. 
E tamanha esperança e uma tão grande paz 
Avultam do clarão que cinge a serrania, 
Como se houvesse aurora e o mar cantando atrás.


Manuel Bandeira 
De A cinza das Horas 

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